Aos trabalhadores, os rigores da lei. Aos “amici curiae”, as benesses da lei.
Motociclistas da Sanesul seguem aguardando o pagamento do adicional de periculosidade, um direito garantido pela CLT e já confirmado pela Justiça. Mas quem descumpre a ordem, protela cálculos, retém informações e tenta anular um direito garantido pela Constituição não é o Sindágua — é a própria empresa.
Mesmo com decisão transitada em julgado, respaldada pela CLT, pela Portaria do Ministério do Trabalho e pela unanimidade da Justiça do Trabalho, a empresa vem usando manobras protelatórias para atrasar o pagamento devido a quem trabalha todos os dias exposto a riscos no trânsito — tentando reabrir o que não pode ser revisto: a coisa julgada, pilar da segurança jurídica de todo trabalhador.
“A Sanesul tenta anular um direito constitucional, protegido pela coisa julgada. O adicional de periculosidade é previsto desde 2014 e a Justiça já bateu o martelo em favor do trabalhador. Mas a empresa insiste em recorrer de forma protelatória para não pagar o que deve. Isso fere a segurança jurídica ao cidadão, empresário ou trabalhador, às empresas que tiveram seus direitos reconhecidos pelo poder judiciário.”, denuncia Lázaro de Godoy Neto, presidente do sindicato.
Ele completa: “Aos trabalhadores, os rigores da lei. Aos ‘amicus curie’, as benesses da lei. Essa inversão de prioridades não pode continuar.”
Entenda todo o trâmite: um direito garantido por lei desde 2014
Em 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) publicou a Portaria nº 1.565, regulamentando o artigo 193, §4º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), assegurando o adicional de periculosidade de 30% aos trabalhadores que utilizam motocicletas em vias públicas para exercer suas atividades. Na Sanesul, muitos empregados, principalmente operadores de campo e leituristas, dependem da moto diariamente para atender ordens de serviço, vistoriar redes e realizar manutenções essenciais que garantem água e esgoto para a população de Mato Grosso do Sul.
Coisa julgada: segurança jurídica ameaçada
Com base nessa legislação, o Sindágua moveu ação para garantir o pagamento retroativo e futuro do adicional, vencendo em todas as instâncias da Justiça do Trabalho na 24ª Região. Em março de 2023, a fase de execução foi iniciada para obrigar a empresa a pagar o que é devido — um direito de natureza alimentar, que não pode ser postergado ou relativizado.
A Sanesul, porém, vem apostando em uma estratégia de procrastinação: recorreu sucessivamente, levantou supostas inconsistências na lista de beneficiários, contestou períodos de uso das motocicletas e, mesmo assim, não entregou fichas financeiras completas, descumprindo determinação expressa da 1ª Vara do Trabalho de Campo Grande.
Para obrigar a empresa a fornecer os documentos, o juiz Hebert Gomes Oliva autorizou, em 23 de novembro de 2023, multa diária. Mas, em vez de respeitar o trabalhador, a Sanesul se aproveitou da baixa efetividade da penalidade, limitada a apenas 30 dias e ao valor diário de R$1.000,00, para seguir empurrando prazos — enquanto lucros e contratos milionários com terceirizados não enfrentam o mesmo rigor. Se a multa fosse diária por empregado talvez a Sanesul não postergaria por mais tempo essa procrastinação.
Decisão do TRF-1 não muda o que está julgado
Em 24 de janeiro de 2024, uma decisão monocrática do Desembargador Alexandre Vasconcelos, do TRF-1, anulou a validade da Portaria nº 1.565/2014, atendendo uma ação específica de distribuidoras de bebidas. No entanto, para o caso da Sanesul, a Justiça do Trabalho deixou claro: a decisão não retroage para anular o que foi decidido em favor dos empregados.
Em 24 de julho de 2024, o mesmo juiz Hebert Gomes Oliva, da 1ª Vara do Trabalho de Campo Grande, rejeitou o pedido da empresa de extinguir ou anular a ação em função dessa decisão do TRF-1:
“O título executivo se encontra protegido pela coisa julgada, permanecendo válido e eficaz. Ausente no caso qualquer circunstância que enseje extinção da execução. A discussão que pretende levantar a agravante é inoportuna, pois acobertada pelo manto da coisa julgada material.”
Para a advocacia trabalhista, esse é um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro: coisa julgada é cláusula pétrea da Constituição. O artigo 5º, inciso XXXVI, garante que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Vitória unânime reforça a tese jurídica
Em 28 de novembro de 2024, o TRT da 24ª Região confirmou por unanimidade (8 votos a 0) a tese jurídica que protege os motociclistas da Sanesul:
“O adicional de periculosidade, previsto no art. 193, §4º da CLT, é devido aos trabalhadores que utilizem motocicletas ou motonetas em vias públicas para a realização de seu trabalho, ainda que o veículo seja apenas meio de deslocamento entre os clientes para execução da atividade principal, salvo nas hipóteses das alíneas do item 2 do Anexo 5 da NR-16. Referido entendimento não se aplica à categoria de empregadores beneficiadas por força de decisões judiciais que declararam nulas e/ou suspenderam os efeitos da Portaria 1565/2014 do MTE.”
Em outras palavras, empresas de saneamento não estão contempladas na suspensão que beneficiou o setor de bebidas. Mesmo assim, a Sanesul insiste em ignorar a decisão.
Novo recurso ao TST desafia a Constituição
Mesmo depois de perder por unanimidade, a empresa apresentou em 2025 um novo Recurso de Revista no próprio TRT, que foi inadmitido. Ainda assim, por questão de rito, o caso foi remetido ao Presidente do TST, que decidirá se admite ou não a tramitação. A entrada no gabinete do presidente do TST ocorreu no último dia 10 de julho.
Para o Sindágua, a expectativa é que a Corte superior respeite a Constituição e a própria jurisprudência. O presidente da entidade lembra que o Ministro Aloysio, em tratativas com a federação e com os Correios, reconheceu que não poderia haver suspensão do adicional de periculosidade para motociclistas, mesmo em momentos de revisão de normas.
Enquanto isso, o trabalhador espera
Na prática, o que a Sanesul faz é dilatar prazos, retardar o pagamento de um direito que impacta diretamente na renda dos trabalhadores. São valores que compensam a exposição diária ao risco, em deslocamentos sob sol, chuva, em vias precárias e trânsito intenso — uma atividade que é, de fato, perigosa.
Sindicato seguirá firme
O Sindágua reforça que não abrirá mão de exigir o cumprimento integral da decisão e que seguirá denunciando qualquer manobra que prejudique direitos conquistados. A entidade também defende que o Ministério Público acompanhe de perto a situação, para apurar se há uso de recursos sem base legal em acordos que não trazem retorno comprovado ao interesse público.
Enquanto isso, cada dia de protelação significa mais atraso no bolso de quem arrisca a vida no trânsito para manter o saneamento funcionando em todo o Mato Grosso do Sul. E, mais do que isso, ameaça a confiança que todo trabalhador deve ter de que a Justiça não é palco de joguetes protelatórios, mas garantia de direitos reais.