No Brasil, o BNDES financia privatizações no saneamento; no mundo, bancos públicos buscam fortalecer empresas estatais


No Brasil, o banco público (BNDES) que deveria impulsionar o saneamento estatal tem direcionado recursos e estrutura técnica para viabilizar privatizações. Em outros países, a experiência tem se mostrado oposta: bancos públicos investem no fortalecimento de empresas estatais, ampliando o acesso à água e ao esgoto com tarifas justas e qualidade, como na Costa Rica e na Índia, onde a prioridade é manter a gestão pública e universalizar os serviços. Esta análise está no livro Public Banks and Public Water in the Global South (Bancos Públicos e Água Pública no Sul Global).

Historicamente, o BNDES já apoiou operadoras públicas de saneamento, mas após o novo marco legal do setor (Lei 14.026/2020), passou a fornecer crédito, apoio técnico e estruturação de concessões para empresas privadas. Essa mudança priva recursos que poderiam ampliar a cobertura pública e fortalece projetos com foco no lucro.

“O BNDES é um banco público e, por isso, deveria financiar empresas públicas, não entregar estrutura para que o setor privado lucre com um serviço essencial. No saneamento, o objetivo não pode ser apenas o lucro. Ele precisa garantir emprego digno, salários justos e atendimento de qualidade.” — Lázaro de Godoy Neto, presidente do Sindágua-MS

Essa política fragiliza empresas públicas como a Sanesul, que já enfrentam dificuldades orçamentárias. Ao repassar recursos ao setor privado, corre-se o risco de rebaixar salários, precarizar postos de trabalho e minar direitos históricos — como já ocorreu em outros segmentos.

Banco financia privatizações nos estados

O BNDES tem desempenhado um papel fundamental na estruturação de grandes concessões de saneamento em diversos estados, demonstrando o apoio do banco a esse modelo de privatização.

Projetos como os do Rio de Janeiro, Alagoas e Amapá foram modelados com o auxílio técnico e financeiro do BNDES. No caso do Rio de Janeiro, o banco estruturou a concessão da Cedae, que foi dividida em blocos e arrematada por empresas privadas. Em Alagoas, o BNDES também esteve à frente da modelagem das concessões de serviços de água e esgoto para múltiplos blocos de municípios, e no Amapá, o banco apoiou o processo que resultou na concessão dos serviços em todos os 16 municípios do estado. Esses exemplos mostram como o banco de desenvolvimento tem sido um instrumento ativo na transição do saneamento do setor público para o privado.

O presidente do Sindágua-MS ressalta que “aqui em Mato Grosso do Sul, o BNDES também trabalhou numa modelagem que ultrapassou todos os limites da regularidade. Pois, em MS não existem regiões metropolitanas e tampouco os sistemas eram regionalizados. Portanto, o mesmo modelo adotado na PPP em Alagoas e depois na CORSAN poderia ser parâmetro para o nosso estado”.

O livro destaca que, enquanto o modelo brasileiro impulsiona as privatizações, outros países demonstram que investir na gestão pública é mais eficiente e socialmente justo. Com bancos públicos atuando em parceria com operadoras estatais, esses lugares garantem cobertura universal, tarifas reguladas e serviço de qualidade.

Alerta do Sindágua-MS

O Sindágua-MS alerta que a postura do BNDES também fragiliza a capacidade das empresas públicas de investir, forçando-as a disputar recursos com conglomerados privados que têm maior acesso a capital e influência política. Isso pode levar à deterioração das condições de trabalho, ao rebaixamento salarial e à perda de direitos — uma realidade já vista em outras privatizações pelo país.

A experiência de países como Costa Rica e Índia, apresentada no livro, reforça que há alternativas sólidas ao modelo de privatização. Nessas nações, bancos públicos financiam diretamente as companhias estatais, permitindo ampliar a rede de abastecimento e esgotamento sanitário, manter tarifas acessíveis e assegurar a universalização do serviço.

Resumo do capítulo 9 do livro “Public Banks and Public Water in the Global South” :

O estudo sobre o Brasil revela que:

. O BNDES já apoiou empresas públicas de saneamento, mas mudou o foco para apoiar o setor privado, especialmente após o novo marco legal.

. O banco atua estruturando concessões e financiando empresas privadas de água e esgoto.

. Essa estratégia está alinhada com políticas federais de incentivo à privatização.

. Em outros países estudados, bancos públicos priorizam empresas estatais, fortalecendo a gestão pública e a universalização do serviço. . A recomendação implícita é que o Brasil retome o financiamento público para operadoras públicas, garantindo tarifas justas, empregos dignos e cobertura universal.

O livro só está disponível somente em inglês:https://ondasbrasil.org/wp-content/uploads/2025/02/Book-Public-Banks-and-Public-Water-in-the-Global-South.pdf

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