Um estudo internacional divulgado na última sexta-feira (12/9) revelou que bilhões de reais em recursos públicos, por meio de debêntures incentivadas, vêm sendo utilizados não para ampliar investimentos em obras de saneamento, mas para financiar privatizações e concentrar o mercado nas mãos de grandes grupos privados. O levantamento, intitulado “O Sequestro do Financiamento do Saneamento Básico no Brasil”, foi elaborado pelo Centro Internacional de Pesquisa sobre Responsabilidade Corporativa e Tributária (CICTAR) em parceria com o Sindae-BA, com apoio da Confederação Nacional dos Urbanitários (CNU), da Internacional de Serviços Públicos (ISP) e do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS).
Para o presidente do Sindágua-MS, Lázaro de Godoy Neto, o relatório confirma aquilo que os trabalhadores do setor já denunciavam.
“O Sindágua-MS vem alertando há muito tempo sobre esse mecanismo que retira recursos públicos do investimento em saneamento para alimentar a privatização. Agora, com esse estudo internacional de alto nível, temos a certeza de que estávamos certos. O que deveria servir para universalizar o serviço, virou motor de concentração e lucro privado”, afirmou.
Principais conclusões do estudo
De acordo com o levantamento, das debêntures incentivadas emitidas desde 2017, que somaram R$ 38,9 bilhões, R$ 21,1 bilhões foram usados para pagar ou refinanciar outorgas de concessões — e não em obras de expansão ou melhoria do saneamento. Em outras palavras, ao menos cinco de cada dez reais captados com incentivo público não foram aplicados diretamente em benefício da população.
O caso da BRK em Maceió (AL) foi apontado como exemplo: a empresa venceu a concessão em 2020 com outorga de R$ 2 bilhões, financiada com R$ 3,75 bilhões em debêntures, sendo R$ 1,95 bilhão com incentivo fiscal. Em vez de novos investimentos, grande parte do valor serviu para refinanciar a outorga. Enquanto isso, entre 2017 e 2024, a tarifa média cobrada pela companhia subiu 71,35% (de R$ 3,70 para R$ 6,34 por metro cúbico), praticamente o dobro da inflação do período.
O relatório também aponta que, no mesmo período, o acesso à água no Brasil caiu de 83,6% (2019) para 83,1% (2023), enquanto o tratamento de esgoto subiu apenas de 46,3% para 51,8% ─ muito distante das metas do Marco Legal do Saneamento (99% de água e 90% de esgoto até 2033). No ritmo atual, a universalização só seria alcançada em 2070.
Consequências para trabalhadores e população
Segundo o estudo, a lógica da privatização não apenas eleva tarifas, mas também traz impactos severos sobre os trabalhadores do setor: PDVs forçados, enxugamento de quadros, precarização e casos de burnout.
O relatório ainda reúne denúncias de falhas graves em serviços privatizados: em Tocantins e em Blumenau (SC), foram abertas CPIs para apurar descumprimento de metas, interrupções no fornecimento e problemas na qualidade da água. Multas ambientais e autos de infração em diferentes cidades somam dezenas de milhões de reais.
Outro dado alarmante é o crescimento de 525% no número de municípios sob controle de empresas privadas em apenas cinco anos, com forte presença de fundos estrangeiros no comando de companhias brasileiras.
Recomendações do relatório
Entre as recomendações apresentadas, estão:
- Proibir o uso de debêntures incentivadas para pagamento de outorgas;
- Retomar o papel de bancos públicos, como BNDES e Caixa, no financiamento direto de obras de saneamento;
- Criar um fundo nacional de saneamento para garantir recursos estáveis e de longo prazo;
- Reforçar a regulação e a transparência no uso de recursos públicos.
Sindágua-MS: compromisso com a defesa da água pública
Para o Sindágua-MS, o estudo evidencia que o modelo de privatização não atende ao interesse público nem assegura o direito humano à água e ao saneamento.
“Esse relatório comprova o que já vínhamos denunciando. O dinheiro público que deveria garantir água de qualidade e esgoto tratado para toda a população está sendo desviado para alimentar a lógica das outorgas e do lucro privado. Não podemos aceitar esse sequestro do saneamento. Nosso compromisso é continuar denunciando e defendendo a água como direito do povo, não como mercadoria”, concluiu Lázaro.
Acesse aqui o estudo (em inglês):