No Brasil, a crença de que privatizações e PPPs trariam mais eficiência e investimentos sólidos para o setor está cada vez mais exposta — e não de forma favorável. Em Embu das Artes (SP), por exemplo, um grave rompimento de adutora, ocorrido em 23 de julho/25, não pode ser visto apenas como acidente: deixou 160 mil pessoas sem água e deixou claro o custo humano de um sistema fragilizado pela lógica privatista. A negligência técnica e o desmonte de equipes operacionais resultaram em um caos sanitário.
É ainda mais preocupante quando se considera que a responsabilidade pelo serviço foi assumida por uma empresa de energia, com nenhuma experiência efetiva em saneamento, exatamente como alertou o presidente do Sindágua-MS, Lázaro de Godoy Neto. Esse episódio expõe o perigo de confiar serviços essenciais a empresas sem expertise ou compromisso com o interesse público.
Enquanto isso, grandes cidades globais como Paris, Londres, Lisboa e Mumbai retomaram o controle público de seus sistemas de água, após constatarem que a gestão privada onera tarifas, compromete a universalização e reduz a qualidade dos serviços.
Em Mato Grosso do Sul, vemos a mesma lógica perigosa se repetir: investimento não chega, obras atrasam e lucratividade chega antes do previsto. O Estado acaba penalizado, com sistemas degradados que terão de ser reconstruídos com recursos públicos — enquanto o lucro fica concentrado no topo.
A seguir, você confere a matéria publicada nesta quinta-feira (14/8/25), que detalha como essa tendência se manifesta aqui — com salários milionários, tarifação alta e estruturas que priorizam lucro em detrimento da população e do trabalhador.
PPP DE ESGOTOS DE MS: SALÁRIOS MILIONÁRIOS E INVESTIMENTOS ATRASADOS
O modelo “privatizado” de saneamento em Mato Grosso do Sul, exemplificado pela PPP de esgotos sob responsabilidade da Ambiental MS Pantanal/AEGEA e pela concessão da Águas Guariroba/AEGEA em Campo Grande, confirma o alerta de que a lógica do lucro se sobrepõe ao interesse público. Tarifas elevadas praticadas pela Águas Guariroba/AEGEA, remunerações milionárias para executivos de ambas empresas, lucros antecipados da PPP (Pay Back – Retorno dos pseudo-investimentos), atraso em obras essenciais pelo setor privado e investimentos com recursos públicos além das obrigações em Edital, marcam um sistema que penaliza trabalhadores e população.
Desde maio de 2021, a Ambiental MS Pantanal, responsável pela execução da PPP firmada com a Sanesul, acumula números que destoam das modelagens apresentadas pela própria AEGEA* bem como, das promessas feitas no início do contrato.
Os demonstrativos financeiros (balanços publicados) mostram que a remuneração dos dois diretores da PPP somou R$ 1,642 milhão (de maio a dezembro de 2021), R$ 3,640 milhões (2022), R$ 3,472 milhões (2023) e R$ 3,539 milhões (2024). No mesmo período, a folha total de pessoal foi de R$ 11,030 milhões (2021), R$ 16,751 milhões (2022), R$ 17,394 milhões (2023) e R$ 20,133 milhões (2024) — proporção que evidencia que apenas dois executivos absorvem, em média no ano, aproximadamente 20% de tudo o que é pago a mais de 400 (quatrocentos) empregados da PPP.
No resultado econômico, a empresa registrou prejuízo de R$ 8,284 milhões em 2021 e R$ 5,661 milhões em 2022; na sequência, passou a operar no azul, com lucro de R$ 618 mil em 2023 e R$ 5,469 milhões em 2024. Diante disso, surgem perguntas inevitáveis:
1. Como uma empresa com dois anos de prejuízo e lucros modestos na sequência mantém remunerações de seus executivos/diretores superiores a R$ 3 milhões anuais?
2. A modelagem econômico-financeira da PPP previa “pay-back” apenas a partir do 9º ano. Se o lucro chegou antes, onde estão os mais de R$ 350 milhões em obras que deveriam ter sido executadas entre 05/2021 e 05/2025? E os investimentos na área de Operação e Manutenção na ordem de R$322 milhões previstos na Modelagem Econômica-Financeira?
3. A modelagem econômica-financeira utilizada para apresentação da proposta de preços aos participantes da Concorrência Pública foi superestimada? Quem a elaborou e por qual motivo valores supostamente elevados?
Segundo o Sindágua-MS, o resultado antecipado apenas se justifica em uma única condição: a não execução integral dos investimentos projetados na licitação que contratou a Parceria Público Privada de Esgotos.
No caso da Águas Guariroba, segundo apurado pelo Sindágua-MS, a empresa pratica uma das tarifas mais caras entre as capitais brasileiras e, ao longo dos últimos anos, acumulou lucros bilionários. No topo da estrutura, o Relatório de Referência 2025 apresentado a Comissão de Valores Mobiliários, aponta que a concessionária pagou R$ 4.653.338,34 aos dois diretores remunerados em 2024 e projeta R$ 3,7 milhões para 2025. (fonte: OFICIO-CIRCULAR/CVM/SEP/N.01/2020)
Diretoria unificada e estruturas sobrepostas
Em setembro de 2024, Ambiental MS Pantanal/AEGEA e Águas Guariroba/AEGEA passaram a operar com diretoria unificada, no mesmo endereço e com estrutura administrativa e operacional integrada. Embora os contratos permaneçam distintos (PPP em 68 municípios x concessão plena em Campo Grande), a gestão compartilhada concentra decisões do saneamento no estado nas mãos de um mesmo grupo.
“A privatização virou negócio puro”, resume Lázaro de Godoy Neto, presidente do Sindágua-MS. “A lógica aqui é transformar serviço público essencial em mercadoria lucrativa. Enquanto isso, o trabalhador arca com baixos salários e a população paga a conta em forma de tarifa altíssima. É um sistema perverso que privilegia os executivos dessas empresas, seus acionistas e despreza a dignidade do trabalhador e do atendimento público.”
Para o sindicato, a combinação de altas remunerações no topo, integração de estruturas, resultados antecipados e ritmo lento de investimento produz um efeito conhecido: pressão por metas, contenção de quadros, subempregos, rebaixamento salarial relativo e precarização — com reflexos na qualidade do serviço.
“Esses números mostram que, no saneamento privatizado, o trabalhador e o usuário ficam no fim da fila. A prioridade é o lucro, seus executivos e o atendimento aos interesses dos acionistas e não ao interesse público”, reforça Lázaro.
A experiência da PPP Ambiental MS Pantanal e da Águas Guariroba repete um padrão observado em outras privatizações no país: concentração de ganhos no topo, tarifas abusivas, investimentos aquém do prometido e não atendimento a lei da tarifa social.
O Sindágua-MS sustenta que universalizar água e esgotamento com qualidade e tarifa justa exige planejamento público, investimento estável e valorização de quem faz o serviço acontecer — não a transformação do saneamento em um ativo de alto retorno.
* Fonte: https://radarppp.com/resumo-de-contratos-de-ppps/esgotamento-sanitario-municipios-mato-grosso-do-sul/
“Os estudos para a modelagem do projeto tiveram o custo final de ressarcimento definido em R$ 4.030.620,00 e foram realizados por Aegea Saneamento e Participações S.A.”
Assessoria de Comunicação – Sindágua-MS