Privatização do saneamento avança com patrocínio do BNDES — e sob a conivência de agências reguladoras

Com patrocínio do BNDES e conivência de agências reguladoras, o avanço das PPPs e concessões traz tarifas abusivas, atrasos em obras, salários milionários para executivos e precarização dos trabalhadores.

O BNDES segue acelerando a agenda de privatização do saneamento no Brasil, com um calendário repleto de projetos em andamento. No Hub de Projetos, a lista inclui concessões e PPPs em diferentes fases — desde estudos técnicos até leilões — em estados como Ceará, Pará, Acre, Amazonas, Bahia, Pernambuco, Rondônia, Roraima e Santa Catarina, além de novas rodadas no Rio de Janeiro. Todos esses processos são modelados com recursos e expertise do banco público, mas destinados a transferir para o setor privado a operação da água e do esgoto.

Entre as privatizações já realizadas com participação do BNDES estão a CEDAE (RJ), a concessão integral do esgotamento no Amapá e os blocos regionais em Alagoas — todos com histórico de tarifas elevadas, reequilíbrios econômico-financeiros a favor das empresas e questionamentos sobre o cumprimento de metas e investimentos.

“Quando o serviço deixa de ser público, a prioridade passa a ser o lucro. Isso significa mais pressão sobre os trabalhadores, cortes de pessoal e serviços caros para a população”, afirma Lázaro de Godoy Neto, presidente do Sindágua-MS.

Para o Sindágua-MS, a política de privatização patrocinada pelo BNDES coloca em risco tanto o direito universal à água quanto a proteção dos empregos e condições de trabalho. A experiência de Mato Grosso do Sul, com a PPP Ambiental MS Pantanal e a concessão da Águas Guariroba, mostra o padrão: tarifas altas, não cumprimento de obras previstas, contratos que beneficiam o privado, rebaixamento de direitos trabalhistas, salários milionários aos diretores e desvalorização do trabalhador no saneamento.

O calendário do BNDES deixa claro que a privatização do saneamento não é pontual: é uma estratégia nacional, patrocinada pelo próprio banco público que deveria fortalecer empresas estatais.

AGÊNCIAS REGULADORAS SOB SUSPEITA

Paralelo as ações do BNDES, está a fragilidade e a captura política das agências de regulação, que deveriam proteger o interesse público e fiscalizar as concessionárias. Porém, em exemplos de casos recentes em Mato Grosso do Sul, é revelado que a AGEMS e a AGEREG se tornaram cabides de emprego para aliados políticos, com nomeações sem qualificação técnica e vínculos partidários.

Na AGEMS, Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos de MS, teve a sua frente no período de 2013 a 2021 o ex-vereador e ex-Deputado Estadual Youssif Domingos, em 2021 assume o ex-secretário de Administração Carlos Alberto Assis. Em 2024 após sua recondução, foi afastado por decisão judicial por “risco concreto de violação à legalidade e à moralidade administrativa”. Ele sequer possui formação para o exercício do cargo, mas por interesses políticos foi mantido. Na Agência Municipal de Regulação em Campo Grande, a AGEREG, foi ocupada por políticos não reeleitos, como o caso de Odilon de Oliveira Júnior e agora é ocupado pelo ex- Secretário Municipal de Assistência Social, José Mário Antunes.

Além disso, o Sindágua-MS alerta para o movimento de porta giratória: casos como o de uma ex-diretora da Agência Nacional de Águas (ANA), Cíntia de Araújo, que migrou para alto cargo na empresas privada de saneamento Aegea, evidenciam o conflito de interesses.

Essa politização das agências de regulação é pouco debatida. Servidores da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), por exemplo, já defenderam publicamente a criação de listas tríplices para a escolha de diretores, de forma a evitar indicações políticas de pessoas sem experiência técnica, muitas vezes ligadas às empresas que deveriam ser fiscalizadas.

Um projeto de lei em tramitação (PL 4745/2024) propõe justamente restringir nomeações de pessoas com vínculos com empresas reguladas, evidenciando que hoje essa prática ainda existe.

Na avaliação de entidades como a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e o ONDAS, essa captura política e corporativa das agências compromete a fiscalização dos contratos, favorecendo o setor privado e fragilizando a defesa do interesse público.

Mais lucro, menos investimento

Segundo dados levantados pelo sindicato, as empresas privadas frequentemente recorrem ao mecanismo de reequilíbrio econômico-financeiro para aumentar tarifas, alegando custos imprevistos — mesmo quando não cumprem os investimentos assumidos em contrato. “É um modelo feito sob medida para garantir margens de lucro elevadas, blindadas por contratos e reguladores complacentes”, afirma Lázaro.

As concessões de saneamento já realizadas no Brasil revelam um padrão que preocupa tanto usuários quanto trabalhadores do setor. Para a população, os efeitos mais imediatos são tarifas elevadas — em alguns casos, entre as mais caras do país, como ocorre com a Águas Guariroba em Campo Grande — e o descumprimento de investimentos previstos em contrato, com obras atrasadas ou simplesmente não executadas. Além disso, operadoras privadas recorrem com frequência aos chamados reequilíbrios econômico-financeiros, sempre visando assegurar margens de lucro e, muitas vezes, repassando o custo desse ajuste diretamente ao usuário. Em nenhum momento da história dessas revisões temos esses lucros revertidos em redução tarifária. “Nunca é a favor da população, dos usuários dos serviços públicos”, ressalta Lázaro.

Os impactos, porém, não se limitam ao bolso e ao serviço recebido pela população. Para os trabalhadores do saneamento, a privatização traz consequências profundas, como a precarização das condições de trabalho, marcada por terceirizações e cortes de pessoal. O rebaixamento salarial e a perda de benefícios históricos conquistados ao longo de décadas tornam-se realidade em muitos casos. Soma-se a isso o aumento da pressão por metas de produtividade, que afeta não apenas o desempenho, mas também a saúde física e mental dos empregados, criando um ambiente de trabalho mais instável e hostil.

“O que vemos é um modelo que transfere patrimônio e serviços públicos para grupos privados, garante lucros bilionários e deixa para o Estado a conta de recuperar sistemas deteriorados. É um ataque direto ao direito à água e também aos direitos dos trabalhadores”, afirma Lázaro de Godoy Neto, presidente do Sindágua-MS.

O Sindágua-MS defende que a universalização do saneamento, com qualidade e tarifas justas, só será possível com gestão pública, investimentos estáveis e valorização dos trabalhadores. “Se o calendário do BNDES se cumprir, veremos mais estados entregando seu saneamento ao capital privado e mais famílias pagando caro por um serviço que deveria ser direito, não mercadoria”, conclui Lázaro.

Unyleya

Mob

Personal Card

Categorias
Arquivos