Regionalização do saneamento em MS avança sem critérios técnicos e escancara caminho para privatização

A aprovação, em segundo turno, do projeto que transforma Mato Grosso do Sul em uma única unidade regional de saneamento acendeu um novo alerta entre trabalhadores, especialistas e parlamentares. O Sindágua-MS vem reiterando que a chamada regionalização não atende a critérios técnicos, econômicos ou ambientais e se apresenta, na prática, como uma etapa preparatória para a privatização da Sanesul.

Durante a votação, a deputada estadual Gleice Jane (PT) foi uma das poucas parlamentares a se posicionar contra o projeto, classificando a proposta como uma “privatização disfarçada de regionalização”. Em seu pronunciamento em plenário, a deputada destacou que acompanha há anos a pauta do saneamento no Estado e manifestou preocupação com o avanço de um modelo que, segundo ela, atende a interesses privados.

“Quero registrar o meu voto ‘não’ a esse projeto. É, na verdade, uma privatização disfarçada de regionalização. Venho acompanhando essas pautas da Sanesul há algum tempo e há um processo avançado de privatização por meio de um discurso enviesado”, afirmou Gleice Jane.

Uma única região ignora unidades de planejamento territorial, bacias hidrográficas e consórcios intermunicipais

De acordo com o presidente do Sindágua-MS, Lázaro Godoy Neto, o modelo aprovado rompe com toda a lógica de planejamento já existente no Estado. Mato Grosso do Sul possui Unidades Regionais de Planejamento, além de uma organização baseada em bacias hidrográficas, que orienta a Política Estadual de Recursos Hídricos e dá base a consórcios intermunicipais consolidados, como o CIDEMA (bacias do rio Miranda e Apa), o COINTA (bacia do Taquari) e outros.

Lázaro explica que “a regionalização deveria buscar vantajosidade operacional, equilíbrio econômico e subsídio cruzado para sistemas deficitários. Transformar o Estado inteiro em uma única região ignora completamente as bacias hidrográficas, os biomas e as realidades municipais. Isso não é planejamento: é falacioso”.

Outro ponto central da crítica é a inclusão da capital Campo Grande, que já possui os serviços privatizados, contrato vigente até 2060 e o princípio básico da regionalização é um modelo que, em tese, exigiria subsídio cruzado (art. 3º, (b), Lei 14026/2020). Segundo o sindicato, esse subsídio não consta no contrato de concessão, o que pode resultar em desequilíbrio contratual e aumento tarifário para a população de Campo Grande que já paga uma das tarifas mais caras dentre as 27 (vinte e sete) capitais brasileiras.

Risco de licitação em bloco e ameaça aos SAAEs municipais

Com a criação de uma única unidade regional, o Sindágua-MS alerta que o governo abre caminho para licitar em bloco até 78 municípios, inclusive aqueles que hoje possuem serviços autônomos de saneamento (SAAE’s) viáveis e consolidados, como Costa Rica e São Gabriel do Oeste.

Esse modelo já foi usado em outros estados. Onde a AEGEA já operava um município, o Estado promoveu a regionalização e entregou os demais ao mesmo grupo privado”, destaca Lázaro, citando os exemplos os Estados do Piauí, do Pará e do Rio Grande do Sul, onde processos semelhantes, coincidentemente resultaram na ampliação do controle privado sobre sistemas públicos, com a assunção dos serviços de saneamento em todos os municípios desses estados pela própria AEGEA. Óbvio que se trata de mera “coincidência”.

Água universalizada. Esgoto entregue à PPP e onde estão os investimentos previstos em licitação para o período de 2021 a 2025?

O sindicato também questiona o discurso oficial que justifica novos aportes privados. Segundo dados públicos, o abastecimento de água em Mato Grosso do Sul já está praticamente universalizado, com índices próximos de 99%. No caso do esgotamento sanitário, falta uma parcela relativamente pequena para a universalização, que deveria ser concluída com obras já contratadas pela Sanesul, financiadas através de empréstimos com bancos públicos e recursos da União a fundo perdido.

Nesse contexto, o anúncio feito pelo governador Eduardo Riedel, em agosto de 2025, de R$ 700 milhões em investimentos em água e esgoto após visita ao GIC – Fundo Soberano de Singapura, segundo maior acionista da holding AEGEA, grupo que controla a Águas Guariroba e a PPP do esgoto em MS em sua viagem à Ásia, levanta questionamentos pelo sindicato e deveria ser objeto de questionamento pelo legislativo estadual, municipal e pelos executivos municipais (poder concedente dos serviços de saneamento). Quais são:

– Se a água já está universalizada e o esgoto foi entregue à PPP para investir, para onde vão esses R$ 700 milhões?
– Por que a PPP não investiu os R$ 400 milhões previstos em infraestrutura nem os R$ 350 milhões em operação e manutenção, mesmo já tendo recebido cerca de R$ 400 milhões dos cofres públicos nesse período de 2021 a 2025?

Falta de transparência e silêncio do governo

O Sindágua-MS também questiona a ausência de transparência sobre receitas, despesas e investimentos da Sanesul nos municípios, informações que deveriam ser públicas e individualizadas, conforme determinam a Lei nº 11.445/2007 e a Lei nº 14.026/2020 em seu artigo 18. A deputada Gleice Jane, inclusive, já protocolou requerimento cobrando esses dados, sem resposta até o momento.

“Art. 18. Os prestadores que atuem em mais de um Município ou região ou queprestem serviços públicos de saneamento básico diferentes em um mesmo Municípioou região manterão sistema contábil que permita registrar e demonstrar, separadamente, os custos e as receitas de cada serviço em cada um dos Municípios ou regiões atendidas e, se for o caso, no Distrito Federal.”

Para o sindicato, a regionalização aprovada não fortalece o saneamento público, não garante segurança jurídica e aprofunda o risco de privatização, com possíveis impactos tarifários, ambientais e sociais.

“O que está em curso não é uma política de saneamento voltada ao interesse público. É uma engenharia para facilitar concessões privadas, sem estudos de viabilidade técnica, econômica ou ambiental. Vamos continuar denunciando, informar a sociedade e cobrar providências dos órgãos de controle”, afirma Lázaro.

Assessoria de Comunicação – Sindágua-MS

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